segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Café-com-professores

Café-com-professores *


- Nossa Fernanda, que lindo!! Onde você comprou?
- Ah, eu não agüento mais aquela bicha do 1ºC. Hoje eu falei pra ele: “Sabe do que você precisa? De uma rola bem grande pra virar homem!”
- Esse sindicato é um bosta! É só politicagem. Não querem saber da gente...
- Comprei no shopping. E vocês não acreditam quem eu vi ontem naquele shopping novo que inaugurou, o Thiago Lacerda!
- Quem quer café?
- Ah, eu não vejo a hora de acabar meu estágio probatório! Depois disso não vou mais engolir sapo!
- Não acredito que você disse isso pra um aluno!!
- Ah, eu agarrava ele, hehe..
- Ah, vocês viram a roupa da Jennifer da 8ª A? Deve ser DASPU. Perguntei pra ela se não tinha vergonha de sair de casa vestida desse jeito.
- Falei! Ah, que moleque folgado! Queria ficar dançando funk no meio da minha aula. Toda semana é a mesma coisa, não agüento mais! Como ele é vulgar! Não consigo dar aula desse jeito. Acho que exagerei, mas chega uma hora que não dá mais pra segurar.
- Quem quer café?
- O que tem de lanche hoje? Sobrou pra mim? Ah, tinha que ser o Jacques! Ele come todo o lanche, não deixa nada pra mim! Jacques, você me paga viu!
- Que nem eu! Eu não tô nem aí pra essa diretora! Tudo que ela fala eu faço ao contrário.
- É... O problema é que se a gente não apoiar o sindicato estamos perdidos, ninguém mais vai brigar pela gente.
- Alguém mais quer café?
- Não fui eu! Eu não como presunto!
- Ah, nem me fale! E eu queria tanto ir embora hoje! Não agüento mais dar aula praquela 8ª B. Ainda bem que o ano está acabando!
- Ah, fala baixo, ela vem vindo!
- Professores, desculpe interromper o café de vocês mas tenho uma coisa muito séria para falar! O aluno Marcelo do 1ºC veio junto com a Débora, a monitora da classe, fazer uma reclamação muito grave. Disseram que hoje, durante a aula, uma professora o ofendeu utilizando linguagem chula e grosseira, coisas tão horríveis que eu não vou repetir aqui. Eu já tive uma conversa com a professora e quero dizer para vocês: pelo amor de Deus! Nunca digam palavrões para os alunos, nunca xinguem os alunos. Por mais filhos da puta que eles sejam, controlem-se!
- O café está acabando.
- Todos nós aqui somos professores. Temos que dar o exemplo, temos que manter a compostura, ou então nos igualamos a eles e perdemos a razão. Peço que quando algo acontecer, quando eles te tirarem do sério, se acalmem. Se estiverem muito nervosos, chamem a inspetora, deixem a sala, tomem uma água, relaxem. Se for o caso, nem precisam voltar pra sala de aula. Mas o mais importante: não xinguem, não digam palavrões para os alunos! Por favor! Isso pode custar um processo administrativo para vocês professores e para a escola, podemos até perder nossos empregos.
- É, eu acho que você está correta D. Marli.
- Eu nunca xinguei os meus alunos.
- Bom, este era o recado que eu queria dar. Podem voltar ao café.
- Gente, mais alguém vai querer café? Está acabando? Posso pegar tudo?
- Vi um receita ontem na Ana Maria deliciosa. Panettone trufado.
- Então, como eu estava falando, vi o Thiago Lacerda no shopping. Ahh..  Que homem! Meu deus! Tava com uma loira aguada, deve ser a mulher dele.
- Ah, o viadinho foi falar pra diretora! Tá ferrado, agora sim que eu repito ele de ano!
TRRRRRRRRRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMM
- E você viu a nova do Serra? Quer que os professores façam prova pra ganhar aumento! Muito filho da puta, né?
- Nossa, panettone trufado, você anotou a receita, depois me passa?
- Esse ano não acaba! Quero ir pra São Sebastião passar o natal com o meu pai. Adoro praia.
- Jacques, da próxima vez você deixa um lanche pra mim.
- Gente, o sinal já bateu, vamos descer?
-   Ele está na nova minissérie, né? Adoro ele.
-   Ixi, o café acabou.
-   E o desgraçado quer ser presidente. Alguém podia dar um tiro nele!
-   E vocês viram aquela Stephanie do 3ºB? Está com ataque histérico hoje, não pára de gritar! Ô menina insuportável. Ainda bem que o ano está acabando.



* Conto escrito há alguns anos. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. 

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